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Vaselines

Em entrevista publicada hoje (19/11) no Uol Música, líder do histórico grupo escocês Vaselines fala sobre a expectativa dos shows no país, Kurt Cobain e sua carreira.

PEDRO CARVALHO - Colaboração para o UOL

Mesmo numa época rica em reuniões de artistas clássicos, pouca gente esperava que a banda escocesa The Vaselines pudesse voltar e muito menos vir ao Brasil. O grupo se apresenta no festival Goiânia Noise nesta sexta-feira (21) e na versão paulistana do evento, no sábado (22). Tendo feito menos de 20 shows durante sua encarnação original entre 1986 e 1990, a banda provavelmente seria lembrada hoje apenas pelos mais dedicados especialistas em rock independente se não tivessem conquistado o coração do líder do Nirvana Kurt Cobain, que chamou os líderes Eugene Kelly e Frances McKee de "meus compositores favoritos do mundo inteiro".

Com três músicas suas gravadas oficialmente pelo Nirvana e um CD com a discografia completa pelo lendário selo Sub Pop, que revelou a geração grunge, os Vaselines acabaram se tornando, postumamente, heróis do rock alternativo dos anos 90. Algo semelhante à principal influência de Kelly e McKee, o Velvet Underground, que após serem ignorados em sua encarnação original nos anos 60 e 70, vieram a ser considerados uma das mais influentes bandas da história do rock apenas anos depois de se separarem. De sua cidade natal, Glasgow, na Escócia, Eugene Kelly conversou com o UOL sobre a reunião da banda, sua ligação com o Nirvana e o Belle And Sebastian e sua expectativa para os shows brasileiros.

UOL - Como aconteceu a reunião? Ela será permanente? 
Eugene Kelly- Ainda não sabemos. Nos reunimos no começo do ano, porque a irmã da Frances organizou um evento de caridade e nos convidou. Eu sugeri a Frances que nós tocássemos algumas músicas do Vaselines. Nos divertimos muito e recebemos uma proposta da Sub Pop para tocar em Seattle. Novamente, foi muito legal e por isso nós resolvemos continuar tocando.

UOL - Como você compara a resposta do público agora com a de antigamente?
Kelly- É muito diferente, porque quando estávamos juntos originalmente, éramos muito toscos, confrontativos e punk rock. E não havia público para nós. Algumas pessoas íam nos ver quando abríamos para alguém e só.

UOL - Nem mesmo um público local?
Kelly- Não tínhamos muitos seguidores, gente que ia sempre aos nossos shows. Nós não tocávamos muito, nunca tocamos em lugares grandes. Quando a banda acabou, estávamos começando a ter algum público, mas mesmo assim era pouco. Há 20 anos as pessoas não conheciam nossas músicas quando tocávamos ao vivo. Não tínhamos duas décadas nas costas de gente sabendo quem nós éramos. Hoje em dia as pessoas ficam muito entusiasmadas e apreciam muito ver a banda. Nos EUA as platéias foram fantásticas. Antes, as pessoas ficavam mais felizes quando nós saíamos do palco. Só tocamos na Escócia e uma ou duas turnês muito pequenas na Inglaterra e fizemos cerca de 20 shows, durante toda a carreira da banda.

UOL - Vocês já têm planos de produzir material novo?
Kelly- Já começamos a escrever quatro músicas novas, mas ainda não estão terminadas, então não tocaremos elas ao vivo. Vamos ver até onde conseguiremos chegar e, se der certo, poderemos fazer um disco. Por que não? A Frances e eu temos tocado separadamente desde o fim da banda, lançamos discos solo, até que chegou uma hora em que pensamos que era a hora de voltar e ver se ainda conseguíamos fazer músicas do Vaselines. A Frances não pôde fazer isso antes, pois ela tem filhos pequenos. Então agora é o momento certo para fazer isso. Talvez gravaremos no ano que vem.
UOL - Em comparação aos EPs "Son of a Gun" (1987) e "Dying For It" (1988), o álbum "Dum Dum" (último lançamento da banda, em 1990), soa mais roqueiro, com uma pegada mais blues. As músicas novas estão mais nesta linha ou são mais melódicas e folk como na primeira fase da banda?
Kelly- Acho que são mais na linha do começo. O LP foi gravado com o nosso amigo Jamie Watson no estúdio dele em Edimburgo. Ele quis tocar guitarra slide em algumas faixas e isso influenciou bastante a sonoridade do disco. Já as músicas do início são só eu e a Frances, por isso a diferença. Mas é difícil saber como as músicas novas vão soar, porque nós só as escrevemos. Quando chegarmos ao estúdio vamos acrescentar mais instrumentos e só então saberemos como elas vão soar de verdade. Por enquanto elas se parecem muito com os primeiros dois EPs. O trabalho solo da Frances sempre foi muito suave e profundo e eu gosto de tocar guitarra alto e fazer solos irritantes. Então acho que a combinação da sensibilidade folk dela com a minha sensibilidade roqueira foi o que acabou formando o Vaselines.
UOL - De maneira parecida, muitos artistas escoceses desde os anos anos 60, como Donovan e Poets, passando pelo Orange Juice, Jesus & Mary Chain e vocês nos anos 80, têm em comum esta combinação de uma certa melancolia e doçura com um lado mais áspero na maneira de tocar ou na produção. Você acha que isso é coincidência ou é consequência de algo relacionado à Escócia?
Kelly- Talvez seja coincidência. Mas talvez tenha a ver com a nossa personalidade. Nós escoceses aparentamos ser grossos e zangados, mas no fundo somos sensíveis e românticos. Então na nossa música acontece algo parecido, tentamos fazer um barulho mas ao mesmo tempo queremos quebrar seu coração. Como compositor, sei que o lugar onde você está influencia o que você compõe. Se você vive no centro da cidade, você vai querer tocar algo mais barulhento. Mas para nós, o campo é logo ali. Em 20 minutos de carro do centro de Glasgow, você chega em lugares muito bonitos no campo. Dá para ter um gosto de tudo e isso se reflete na nossa música.

UOL - Falando sobre música escocesa, vocês estão tocando agora com Stevie Jackson e Bobby Kildea do Belle And Sebastian. 
Kelly- Sim, a formação mudou um pouco. Agora nós temos dois integrantes do Belle & Sebastian e o baterista nesta turnê é o Michael do 1990's.

UOL - Quando eu ouvi Belle And Sebastian pela primeira vez, me lembrei do Vaselines. Me parece que eles pegaram o lado mais suave de vocês e fizeram algo um pouco mais polido. Vocês sabem se eles eram fãs?
Kelly- Não quero dizer que sim, porque não tenho certeza disso, mas o Stuart tem quase a mesma idade que eu, talvez um pouco mais novo. Crescemos em Glasgow ao mesmo tempo, íamos aos mesmos shows e provavelmente ouvíamos as mesmas músicas, então eu não sei se nós os influenciamos ou se o Stuart e eu apenas temos as mesmas influências, desde a década de 80. Eu os conheci quando eles estavam começando. Eu ia aos shows e depois fiz amizade, principalmente nos últimos 10 anos. Então, quando vi que precisaríamos de músicos de apoio, pensei na mesma hora que eles seriam perfeitos, porque são músicos fantásticos e conseguem aprender as músicas muito rápido.

UOL - Falando em influências parecidas, o Velvet Underground é um ponto em comum para muitas bandas escocesas.
Kelly- Eles foram uma influência imensa em muitas bandas de Glasgow dos anos 80. Você ouvia (a banda pós-punk escocesa do início dos anos 80) Orange Juice e ficava sabendo que eles eram influenciados pelo Velvet Underground, então ia investigar e a partir daí descobria coisas ainda mais obscuras. Você pode perceber isso no Jesus & Mary Chain, no Pastels e outros. Então nós já começamos querendo tocar este tipo de música. O Velvet era a grande banda "secreta" da época. Eram bem obscuros no Reino Unido, mesmo nos anos 80. Então quando você os descobria, era algo que mudava sua maneira de pensar a música.

UOL - E o rótulo de "twee pop" (algo como "pop fofo"), que inventaram nos anos 80. Você sente alguma conexão com outras bandas associadas ao termo?
Kelly- De jeito nenhum! Nós odiávamos todas as bandas de twee pop. O Vaselines tentava ser diferente disso tudo, então me irrita um pouco quando somos chamados disso. Não estávamos interessados nesse tipo de coisa, adultos se comportando comos e tivessem seis anos de idade. Só queríamos tentar tocar rock e tínhamos mais influência de coisas como Pussy Galore, Sonic Youth e Dinosaur Jr.

UOL - Vocês lançaram um disco ao vivo ao lado da banda americana Beat Happening, que também era associada ao termo. Eles pareciam ser uma banda com uma conexão com vocês.
Kelly- Sim e eu também nunca os vi como uma banda "fofa". As canções e os temas eram muito sinistros e a voz do vocalista Calvin Johnson é muito grave e profunda, não dá para acusá-lo de fofura. Houve esta conexão entre nós porque o Stephen Pastel (da banda escocesa The Pastels) tinha os primeiros discos deles e mandava os nossos para o Calvin, que tinha um programa de rádio em Olympia, Washington. E ele sempre tocava as nossas músicas.

UOL - Foi provavelmente por causa disso que o Kurt Cobain começou a ouvir vocês, certo?
Kelly - Sim, o Kurt morava em Olympia na época e virou nosso fã por meio do programa do Calvin.

UOL - No Brasil existe toda uma subcultura de fãs muito novos do grunge sem ter vivido esta época. Eles costumam ir a shows ligados de alguma forma ao Nirvana, mesmo não sendo necessariamente fãs das bandas. Quando o Steve Albini (produtor do álbum "In Utero" do Nirvana, de 1993) tocou aqui com o Shellac havia gente gritando o nome de Kurt Cobain.
Kelly- Ah não... nós estamos ferrados então!

UOL - Talvez... Você se sente desconfortável pela banda ser talvez mais conhecida pela associação ao Nirvana do que por seu trabalho em si?
Kelly- Nem um pouco. Se não fosse por eles terem gravado nossas músicas, ninguém estaria falando em nós hoje. O Nirvana nos deu a chance de sermos ouvidos ao redor do mundo. Não estaríamos tocando no Brasil se não fosse por eles e não faria sentido voltar com a banda, porque ninguém estaria interessado. O fato do Nirvana ter gravado nossas músicas nos deu toda uma carreira que nós não esperávamos. Devemos tudo a eles.

UOL - Vocês são um pouco como artistas obscuros de rhythm and blues que os Beatles e os Rolling Stones gravaram, como Arthur Alexander e Larry Williams, que acabaram sendo mais conhecidos pelos covers.
Kelly- Sim! Somos como alguns artistas de blues, que tiveram a chance de tocar na Inglaterra e ter algum público apenas após terem sido gravados pelos Rolling Stones. Nossos discos foram vendidos para pessoas que nunca teriam nos conhecido se o Nirvana não tivesse gravado nossas músicas.

UOL - O que você espera dos shows brasileiros?
Kelly- Não sei, tenho muitos amigos que tocaram aí e disseram que vai ser fantástico. Vamos tocar nosso repertório e espero que as pessoas apareçam e curtam. Estamos muito entusiasmados. Eu nunca fui ao Brasil, então não vejo a hora.

UOL - Vocês vão tocar todas as músicas da discografia?
Kelly- Todas menos a versão lenta de "Dying For it".

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