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Em algum ano da década de 90, em alguma revista Bizz, li alguma coisa a respeito de uma banda belga com o instigante nome de dEUS. No início da década de 00, eu usava um Penthium I (?) com 64 MB de RAM, HD de 1,3 GB, e Windows 98. Naquela época o compartilhamento de MP3 era incipiente e o programa do momento era um tal de Napster, que tinha a figura de um gatinho com headphones, depois Audiogalaxy. Maravilhado com as possibilidades que o compartilhamento de MP3 oferecia, usando uma conexão discada e ainda solteiro, eu perdia boa parte do sábado, domingo e feriados baixando ansioso um mísero álbum ou parcas faixas esparsas das mais variadas bandas que tanto ouvira falar mas nunca tivera a oportunidade de ouvir. Então finalmente consegui chegar até o dEUS pelas faixas: “Suds and Soda”, “Ideal Crash” e “Magdalena”, devidamente armazenadas em meu primeiro CD-R de MP3.



Conheci dEUS e logo deixei de lado, sem outras buscas por mais MP3 ou informações sobre eles, havia tantas bandas a conhecer e tinha que priorizar. 2008, volto a topar com eles de novo. A capa do single de “The Architet” está em todos os blogs, depois de “Slow” (não baixei nenhum dos dois) e, em seguida, o álbum fake, disponibilizado num sugestivo primeiro de abril e recheado de canções folclóricas (aquilo era o que mesmo?). Apesar dos anos longe do trabalho da banda, dava pra perceber que aquilo ali não era dEUS. O verdadeiro não demoraria a vazar. Com um misto de curiosidade e desconfiança, baixei novamente o álbum e deixei lá quase esquecido. Hoje (25.04.2008), uma semana após ferrenha briga com o Sun Kil Moon para finalizar a resenha, e com a mesma já publicada, ponho os “olhos” de volta no dEUS e já fico instigado com a capa.



Antes das canções, seria de bom tom deixar o leitor informado sobre a banda, processo de gravação, arte da capa e outras coisas mais que venham tornar essa resenha mais gordinha, embora olhando para os dois parágrafos anteriores percebo que eles estão bem grandinhos comparados com os das minhas últimas resenhas. A ferramenta contagem de palavras me informa que nesse exato momento são 367 palavras, uma enormidade, considerando que ainda nem comecei a falar do álbum. Muito blá-blá-blá.



Levando em conta que a banda tem quase vinte anos de carreira, alguém pode bradar que é desnecessário fazer apresentações e, antes de pedir que eu fale logo do álbum, resolve me mandar à merda. Com a polidez que o caso requer, informo que apesar de tantos anos na labuta, de tantos álbuns e shows em vários países, os belgas estão longe de serem considerados uma banda grande, permanecem com o carimbo de indie estampado na capa, apesar de terem a Island Record por detrás (V2 atualmente). Na Bélgica, Alemanha e França sempre tiveram boa repercussão, mas muito pequena no resto do mundo. Passaram por diversas formações, sendo Barman o único que está na banda desde o início.



Vantage Point” é seu quinto álbum de inéditas, foi gravado no estúdio de mesmo nome, de propriedade da banda. Consumiu três longos meses e foi produzido por Dave McCracken. “Algumas canções são altas e dançáveis, outras como “Smokers Reflect” e “Eternal Woman” são melódicas como que vocês nunca viram antes”, palavras de Tom Barman (vocalista e guitarrista). Guy Garvey (Elbow) e Karin Dreijer Andersson (The Knife) são participações especiais nas faixas “The Vanishing of Maria Schneider” e “Slow”, respectivamente, e mais a vocalista Lies Lorquet (Mintzkov) em “Eternal Woman” . A capa do álbum e dos singles são trabalhos do artista plástico conterrâneo Michaël Borremans. Fazem parte de uma séria chamada "The Good Ingredients". A do álbum, chamada de “Two Circles” mostra dois grupos de pessoas deitadas em círculos, formando o símbolo do infinito, enquanto observadas por três pessoas armadas.



O álbum tem dez faixas e reforça a teoria de que as bandas estão caindo na real e lançando discos com formatos à moda antiga, semelhantes ao vinil. Afinal, de que adianta encher o álbum com um monte de faixas não tão boas que deveriam estar em lados B de singles? Ou fazer um álbum enorme que parece que nunca acaba e dá vontade de ouvir em duas partes?



Nas dez faixas que compõem “Vantage Point”, o dEUS confirma as palavras de seu vocalista. As dançantes são “Oh Your God” e “The Architect”. Vale uma ressalva em relação a “The Architect”, os samples que costura toda a música é a voz do arquiteto e engenheiro Buckminster Fuller. Tem um groove incrível, às vezes lembra o tema do filme Caça-fantasmas ou "Rollercoaster” (RHCP) e tem balanço para detonar nas pistas de dança. As baladas, “Eternal Woman” (com backing feminino matador) e “Smokers Reflect” (bem britpop), e mais a fusão de estilos como soul e jazz em “When She Comes Down”. Engana-se quem achar que “Vantage Point” é um samba-do-crioulo-doido. Nas mãos de outra banda até poderia ser, nas de Barman e sua gangue é um bem costurado álbum de indie-rock com o apropriado sotaque belga. Uma lufada de ar fresco num cenário infestado de same-old-things.



Se compararmos com seus primeiros álbuns, há uma grande distância, musicalmente falando, pode-se dizer que quase não lembra o dEUS de “Ideal Crash”, por exemplo. O que ainda se mantém é a tendência de diversificar. As guitarras incisivas, marca da banda, quase não aparecem, estão mais melódicas. Parafraseando o título de sua coletânea, “no more loud music” parece ser o espírito aqui. Que fique claro que esse é o álbum com mais apelo pop já lançado pelos belgas. Até canções com  baixo distorcido como “Favourite Game” e “Slow”, essa última com com momentos de Brian Eno, que poderiam rumar em direção ao barulho, não desembocam numa pegada mais forte. O título de canção mais incisiva fica para “Is a Robot”, uma crítica para pessoas que se acham diferente, mas no fundo agem de acordo com um padrão.



“The Vanishing of Maria Schneider” é uma homenagem a atriz francesa que trabalhou em “O Último Tango em Paris”, de Bertolucci, e caiu no ostracismo. Conta com os vocais de Guy Garvey e tem uma atmosfera bem velvetiana. A letra discorre sobre a beleza que se mantém apesar do tempo, que nunca morre. Ao seu lado, “Popular Culture”, com arranjo de cordas e notas de piano com aroma triste. Barman, acompanhado por um coro de crianças que vai num crescendo, critica a influência de outras culturas, especificamente a americana e inglesa, em outras nações: “If you don't come from the states, You will always be late to be in popular culture”.



Hoje é segunda-feira (28.04.2008) e a maneira como vejo o álbum é diferente do dia em que comecei essa resenha. Nesse intervalo, algumas coisas aconteceram entre dEUS e eu. Não devo revelar o que seriam essas coisas, mas elas fizeram com que a nota para “Vantage Point” subisse e chegasse a esse número aí, ou seja, um bom álbum. Ponto!





Melhores momentos: “Eternal Woman”, “Slow”, “The Architect” e “Popular Culture”.



[V2, 2008]



NOTA: 8,0