
Especial Fórum Cultural Mundial 2004
02, 03 e 04/07 - Sesc Paulista
O trio suíço Young Gods trouxe para o Brasil seu mais novo projeto, batizado de Amazonia Ambient Project, eles captaram os sons da floresta e converteram em música eletrônica moderna. Um dos grupos mais importantes da cena eletrônica/industrial, responsáveis por clássicos como o primeiro álbum The Young Gods (1987) e o inigualável L'eau Rouge - The Red Water (1989), as apresentações do Young Gods surpreenderam os fãs da banda e o público do Fórum.
Com três datas agendadas, na primeira apresentação, Franz Threichler (vocalista do Young Gods) juntou-se ao videomaker brasileiro Raimo Benedetti para uma performance inusitada. Enquanto Franz cuidava da parte sonora, Raimo cuidava das imagens projetadas em dois telões, sendo um ao fundo do palco e um composto de um fino tecido à frente do palco, que simultaneamente projetavam imagens non-sense e que ganhavam o contorno eletrônico de Franz, em alguns momentos era possível presenciar a forte influência da EBM dos anos 80, misturada aos loops atuais da sofisticada eletrônica de Franz.
Com uma hora de duração, o primeiro projeto do Fórum, chamado de COLAB, trouxe dois artistas em plena criação, Raimo projetava imagens desconexas, mas que aos poucos foram tomando caminhos urbanos que caiam nas denúncias sociais, ecológicas e abstratas. Já Franz utilizava-se de camadas sonoras para criar suas atmosferas e que aos poucos ia interagindo com o trabalho do brasileiro, ao final dessa apresentação, a dupla foi muito aplaudida pelo público.
Já nos dois dias de Amazonia Ambient Project, o Young Gods não estaria só novamente, junto ao antropólogo franco-canadense Jeremy Narby, PhD em antropologia pela Universidade de Stanford e autor de "The Cosmic Serpent, DNA and the origin of knowledge", formaram um dos mais belos projetos apresentados no Fórum. Um detalhe importante, pela primeira vez o projeto era apresentado em português, em respeito ao público brasileiro, o antropólogo Narby decorou toda sua fala, sendo que ele nunca havia falado português, e mesmo a banda teve que repassar suas intervenções sonoras, pois também não tinham idéia do que estava sendo falado, já que o projeto original foi produzido em inglês.
Nas duas noites o tema principal girava em torno da Floresta Amazônica, sua biodiversidade, as experiências alucinógenas e a sonoridade da floresta. Numa de suas experiências com os índios Ashaninkas no início dos anos 80, Narby teve contato com a erva Ayahuasca, tentando descobrir como os povos indígenas conheciam os segredos das plantas, e mostrando como que eles utilizavam "racionalmente" a floresta para fins medicinais, criativos e construtivos. Aliás, qualquer semelhança com os relatos do escritor brasileiro Carlos Castañeda não é coincidência, já que o antropólogo foi muito influenciado por ele.
Narby ingeriu a bebida em forma de chá e teve alucinações que o transformaram para sempre, tendo visões de serpentes fluorescentes de quinze metros de comprimento por um metro de altura, o antropólogo descobriu o quão minúsculo o ser humano é perto do universo e como nós somos medíocres desprezando as culturas (sabedoria) ao nosso redor. Narby teve contato telepático com as serpentes sob efeito da erva, porém, depois de fortes contrações ele vomitou colorido, experiência que Narby avisou ser perigosa, mas muito intensa e evolutiva. Um dos xamãs já havia avisado ao antropólogo que a erva era a "televisão" da floresta".
Outra passagem interessante contada por Narby, era o relato de múltiplas visões, veias do corpo humano se transformando em sulcos de folhas, em uma experiência fora do corpo ele havia visto o planeta do espaço, todo coberto de gelo, e afirmava a existência de inteligência em todos os seres vivos, desde uma única célula até seres complexos, como nós seres humanos. Enquanto Narby hipnotizava o público com suas experiências, o Young Gods no palco era representado por dois de seus membros, Franz e Bernard, sendo que Alain Monod (terceiro integrante) cuidava da parte técnica. O Young Gods interrompia as explanações do antropólogo com sons captados na floresta e transformados em música eletrônica de vanguarda, transformando o local num lounge ambiental, uma espécie de trilha sonora para experiências antropológicas. Utilizando-se de samplers e instrumentos exóticos, a performance musical servia de fundo para Narby descrever suas experiências pessoais. Com esse projeto, o Young Gods mostrou o porque de tanto respeito em torno da banda, longe da imbecilidade que a música eletrônica se apresenta em alguns momentos, o trio suíço mostrou consciência, criatividade e perfeição em seu trabalho. Mesmo com a "frustração" dos fãs em não poder ouvir músicas de seus álbuns, como "skinflowers", "speed of night", "longue route" e "donnez les esprits", o público saiu extasiado pela bagagem cultural e musical adquirida, afinal em quase uma hora e meia, o público "viajou" sobre a Amazônia, lugar que Narby descreve como berço da biodiversidade, denúncias sobre o massacre dos índios, (desde o início da colonização européia até os dias de hoje foram exterminados 40 milhões de índios do Alaska até a Patagônia), citações ao DNA, inteligência orgânica, alucinações/sonhos e futuro da humanidade. Além de escutarem em primeira mão o mais recente trabalho dos jovens deuses. Mais uma vez, nas duas noites o Young Gods e Jeremy Narby foram aplaudidos de pé, mostrando que o respeito era recíproco.
Discografia oficial:
- The Young Gods (1987)
-L'eau Rouge (The red water) (1989)
-Play Kurt Weill (1991)
-TV SKY (1991)
-Live Sky Tour (1995)
-Only Heaven (1995)
-Heaven Deconstruction (1997)
-Live Noumatrouff 1997 (1997)
-Second Nature (1999)
-Six Dew Points (2002)
-Music for Artificial Clouds (2004)
Site oficial:
www.younggods.com
Para ler:
"The Cosmic Serpent, DNA and the origin of knowledge"
Jeremy Narby
"A erva do diabo"
Carlos Castañeda
Adriano Moralis escreve também no Monkeymafia [ www.monkeymafia.blogger.com.br ]