
Frieza e desconfiança são os adjetivos mais comumente encontrados nas resenhas sobre “Movement” (1981), primeiro álbum dos remanescentes do Joy Division, o New Order, mas ainda carregando a aura de sua antiga banda. Buscando se afastar do passado, nesse mesmo ano, a banda parece encontrar a saída, e a pista de que estavam trilhando um caminho diferente vem com o single "Everything Gones Green", primeiro a preceder o álbum de 81. Penetrando no território das batidas dançantes. "Everythinhg..." soa como um ensaio para a arrasa-quarteirão "Blue Monday". Barney canta pouco, mas já começa a impor seu vocal de uma maneira diferente.
Em "Temptation", o single seguinte, lançado em abril de 1982, o New Order começa a "encontrar seu formato musical", saindo da sombra cinza deixada pelo Joy Division. Totalmente dançante, a faixa fez grande sucesso nas pistas de dança e fez crescer a aceitação da banda, vindo a se consolidar com o sucesso estrondoso de "Blue Monday", que simplesmente arrasou nas pistas de dança e até hoje rende remixes e é surrupiada.
Está criada a expectativa pelo sucessor de “Movement”. "Power, Corruption and Lies" é então lançado em março de 1983 e não traz "Blue Monday", que só viria a ser incluída em edições posteriores do álbum. Indo contra as expectativas, "Power..." não envereda pelo caminho fácil da música dançante, embora com forte caída para estes lados, segue um caminho sinuoso, é a mescla entre o eletrônico e o rock, do qual o NO será uma das bandas precussoras. PCL é um álbum de várias tonalidades, ao contrário de seu antecessor, que era quase monocromático.
A faixa de abertura, "Age of Consent", apesar de Morris acelerar o ritmo, fazê-la pulsar ao lado do baixo agudo e vibrante de Hook, não dá pra enquadrar em uma canção para as pistas, inclusive por causa dos seus teclados densos, quase sombrios. A letra fala sobre, como o próprio título diz, de maioridade, de ser você mesmo, apesar das consequências que isso possa trazer. "We All Stand" é das faixas mais estranhas e "experimentais" do New Order, tem clima soturno, andamento arrastado e elementos que entram e saem de forma sutil, além de uma batida ao estilo de jazz, com repiques de baqueta nas bordas da caixa.
"The Village" nos joga direto para o balanço das pistas de dança. Novamente sequenciadores, batida dançante, mesclando bateria humana e eletrônica, novamente o baixo hipnótico de Hook ditando o andamento da canção. Com uma base simples, que será a tônica de quase tudo composto pela banda, mas recheado de pequenas e ricas sutilezas, é uma canção simples e perfeita para se dançar,quase impossível ficar parado, uma canção sobre um amor que é "como as flores, a chuva, o mar e as horas". "586" tem uma falsa introdução, clima de mistério, e levada quebrada, só lá pelos dois minutos é que entra uma batida dançante que remete totalmente à clássica "Blue Monday".
A melancolia bate à porta na bela e retumbante "Your Silent Face", onde Barney começa com versos que se tornariam famosos "Pensamento que nunca muda, persiste numa mentira estúpida", estaria falando de si mesmo? É também recheada de camadas de teclados profundos e levada ao ritmo dos sequenciadores e do baixo sempre presente de Hook. Ao lado de "Leave me Alone" é das minhas preferidas do álbum. Por sinal, um álbum curto de apenas oito faixas, no vinil, quatro de cada lado. Uma capa excessivamente bela, mais uma vez à cargo do genial Peter Saville, que usou a pintura "A Basket Of Roses" (1890), do pintor Fantin-LaTour para agasalhar o segundo grito dos ingleses de Manchester. Sem fotos da banda na capa ou encarte, a aura de mistério continua cercando a banda. Ainda se “escondem” do público. As caras só aparecerão no álbum seguinte: Low-life.
Seguindo a trajetória das faixas chegamos então às batidas tribais eletrônicas de "Utraviolence" numa referência explícita a Laranja Mecânica. Hook dá uma ajuda nos backig vocals e os teclados de Gillian Gilbert ficam esquecidos por alguns minutos. "Todos cometem erros", repete Sumner, com certeza, todos sabemos disso. "Ecstasy" é outra referência explícita, buscando captar o clima da época, a droga que começava a se espalhar pelas boates e se tornar parte integrante de toda a cena. "Ecstasy" é dançante, tem uma levada meio chapada e cheia de efeitos meio distorcidos, é instrumental.
"Em mil ilhas no mar eu vejo mil pessoas exatamente como eu, cem uniões na neve, observo-os caminhando, caindo em fila". Corta o coração a introdução de "Leave me alone" a faixa espertamente escolhida para fechar "Power, Corruption and Lies", título que bem poderia servir para descrever a situação do nosso país. "Deixe-me em paz", canta Sumner. O baixo mais uma vez tá lá na frente duelando com a guitarra, que, pela primeira vez , se faz mais presente, dedilhada, (ao contrário das bases rítmicas que vinham permeando o disco) num embate em que o resultado é uma melodia que toca fundo, quase provoca tristeza, mas que no fim é mais como um reacender, como um abrir de janelas e olhar o sol que brilha lá fora através das janelas que por muito tempo estiveram fechadas, afinal é uma nova ordem, onde Kraftwerk, Giorgio Moroder, boates, ecstasy, hedonismo e senso humor cáustico se misturam num mesmo caldeirão.
LANÇAMENTO: 05/1983
GRAVADORA: Factory Records
FAIXAS: Age of Consent, We All Stand, The Village, 5 8 6, Your Silent Face, Ultraviolence, Ecstasy