
Para entender o presente é preciso olhar pra trás, para isso temos a História. Para se entender "Movement", primeiro álbum do New Order, lançado pouco mais de um ano após o suicídio de Ian Curtis, é preciso voltar até o Joy Division, de onde saíram Bernard Sumner, Peter Hook e Stephen Morris, personagens principais desse roteiro criado por escritores ainda amadores que encenam sua própria peça, presos a uma estética anterior, a um processo de criação anterior e, por isso mesmo, guardando elementos que remetem invariavelmente a uma peça já encenada, só que antes com tons de cinza mais escuros, com mais violência, diálogos mais emocionalmente intensos, mais passional: Joy Division.
Tenha em mente o refrão de "All the Way", faixa de Technique (1989): "Leva anos para se encontrar o cerne, para se afastar do que você já fez". Entre “Movement” e “Technique” há uma distância de oito anos. Entre "Closer" e "Movement", pouco mais de um. Entenda então que não é tempo suficiente para se afastar de algo que se vinha trabalhando por quatro ou cinco anos e de forma brusca e trágica é interrompido.
Ao invés de esperarem a poeira assentar, Hook, Sumner e Morris (e mais Gillian Gilbert) resolveram não ficar parados. Uma necessidade imperiosa de movimento se impunha, até mesmo para mostrarem para o mundo e para si que estavam vivos, embora ainda "carregando um peso sobre seus ombros". Peter Hook esclarece: "A morte de Ian foi um choque tão grande que tínhamos que nos manter ocupados. Por isso, gravamos o mais rápido possível".
Climas soturnos, ainda a atmosfera de mistério, uma música sem rosto, ainda Martin Hannet na produção, ainda Peter Saville na concepção da capa minimalista, em dupla tonalidade de azul, ainda o conceito Factory Records. Um novo integrante. Teclados mais presentes. Um vocal tímido, indeciso. É o peso que se carrega pelo que precedeu, é o desafio que se impõe, a incerteza que morde, "é preciso encontrar 'a verdade' dentro de si mesmo".
"Dreams Never End" mostra que com um pouco mais de distanciamento eles conseguirão isso. O tempo muda tudo. Esmerilhar, lapidar e criar uma nova atmosfera uma verdadeira "nova ordem", subjugar a velha, afinal os sonhos nunca acabam, ou estaremos mortos.
"Truth" em sua densa e esfumaçada atmosfera claustrofóbica retroage mas mostra avanços. "Senses" prenuncia o que teremos dali a três anos em "Power, Corruption and Lies": batidas tribais intercaladas por beats, sintetizadores, camadas de teclados e guitarras cheias de efeito, prenúncio do que está por vir, como "Chosen Times", com sua marcação sacolejante/empolgante, marca registrada de Morris, baixão melódico típico de Hook e uma profusão de efeitos. Com "ICB" - Ian Curtis birthday ou buried - (uma homenagem a Ian Curtis) e "Doubts Even Here" somos tragados pela ressaca da maré, empurrados de volta ao passado. Temos a prova de que o “ontem” se mantém vivo no “hoje”.
Na fronteira, a luta entre o que se foi e o que virá: "The Him" e "Denial" são a certeza de que o meio termo bem poderia ter sido o caminho, mas não se concretizou, pois uma “nova ordem” começa aos poucos e só com o tempo é que vai tomando forma, deixando pra trás em definitivo o passado e se estabelecendo. Movement foi uma carta de despedida e pontapé para o futuro.
LANÇAMENTO: 09/1981
PRODUÇÃO: Martin Hannett
ENGENHEIRO: Chris Nagle
GRAVADORA: Factory Records
FAIXAS: Dreams Never End, Truth, Senses, Chosen Time, ICB, The Him, Doubts Even Here, Denial